Um bate papo sincero e divertido com Robertinho de Recife. Parte 2

Fanatic Media Group: Qual foi a sua relação com as drogas durante a sua carreira e como foi apresentada a elas?

Robertinho de Recife: Bem, vamos lá que lá vem polêmica… Bem, eu fui apresentado a elas ainda aqui no Brasil, mesmo porque, como eu te falei antes, eu trabalhava com pessoal ligado ao teatro, ligado à dança em Recife. E Recife é um lugar que é bem diferente, porque lá as plantações são bem próximas, é no interior, na beira do Rio São Francisco. E é plantado como fosse até uma planta nativa, é diferente aqui do Sul a relação que a gente tinha e uma facilidade de conseguir. As pessoas velhas já faziam uso disso, entendeu? E a gente teve contato cedo, quer dizer, eu não considero que a cannabis… a maconha seja uma droga. Mas depois eu fui e me envolvi realmente… E usei todas as drogas porque eu sou um guitarrista… E no rock and roll – não estou dizendo que todo mundo tem que fazer – mas no meu tempo a onda era essa. A forma  de a gente chegar e abrir as portas da percepção… Todo mundo lia Aldous Huxley com os seus livros de transcendência e todos nós tocávamos pra viajar, todo mundo ouvia música pra entrar em transe, então eu acho que hoje também. Mas agora, é difícil sair das drogas. Eu consegui, como eu te falei, eu vim pro Brasil e aqui não tinha. E foi isso que me libertou, entendeu?

FMG: De volta a Recife você acabou entrando no Seminário para tocar música sacra. Como se deu isso?

RR: Bem, na volta da América para Recife eu tive umas experiências místicas. E já mesmo fora das drogas, eu tive um chamado para ingressar na vida espiritual e procurei um seminário. E queria aprender a História da Arte, eu queria aprender tudo sobre a parte espiritual da música, sobre a música sacra e aprendi muita coisa sobre a música sacra. Inclusive toquei em várias igrejas durante esse período integrando a parte musical de algumas igrejas, de ser regente de coro. As pessoas me ensinaram muita coisa de teoria, técnicas de regência de coral e armação de coro, o que seria a distribuição de vozes, essa coisa toda… E foi por isso que eu fui procurar o seminário, para ingressar nessa parte.

FMG: Depois desta fase você começou a tocar com o Fágner, gravou 2 discos solos e aí veio o caos em sua vida?

RR: Eu estava tocando numa igreja e o Fagner estava participando de um festival que chamava “Sete Cantos do Norte”, que foi feito numa igreja. E me chamaram para eu produzir, porque eu também trabalhava na acústica das igrejas lá de Olinda, que tem várias igrejas assim como Recife, e estava havendo esse concerto. E minha banda chamada Área Deli estava presente tocando. Eu estava ajudando também na parte de produção do evento, foi quando o Fagner entrou cantando e lá eu o conheci. E ele ficou bastante impressionado com a nossa banda, com a nossa sonoridade e ele quis que eu continuasse tocando, que eu viesse pro Rio continuando a viagem com ele, porque ele tinha vindo de Fortaleza, tinha parado em Recife, e estava vindo pro Rio. E foi muito difícil pra mim porque ter que abandonar o Seminário era uma parte que eu estava me dedicando muito. Eu estava tendo um progresso muito grande como pessoa e aprendendo também, uma coisa de música que foi muito útil pra mim depois, essa conexão com os céus quando se está tocando.

 Ainda na pergunta anterior, gravei dois discos solo. Inclusive o Fagner produziu dois discos pra mim, a gente fez uma produção junto e durante a gravação do segundo disco, eu tinha um filho que tinha um problema de lábio leporino de fenda palatina na boca. Ele tinha feito uma cirurgia, e depois na mesma semana que ele fez a cirurgia ele contraiu uma meningite brutal que o matou, e me matou também, porque eu fiquei totalmente devastado. Voltei pra Recife e fiquei muito sentido por não ter, quer dizer, hoje eu sei que eu não podia fazer nada porque essa doença é tão brutal… Mas eu fiquei me culpando durante muito tempo… Poxa, eu estava tocando, gravando um disco e ele estava lá no hospital, mal. Eu estava gravando disco, quando eu cheguei em casa que eu soube que ele havia sido levado, já nas últimas, então foi uma fase muito difícil da minha vida. Foi quando eu gravei, depois passei um tempo, e eu vim pro Rio depois de um ano, que eu tinha parado de tocar, vim pro Rio pra gravar com o Fagner a música “Revelação”, que ficou marcada na minha carreira.

RR3

FMG: Como surgiu o convite para integrar a banda americana Chicago e por que vc não foi?

RR: Eu estava nessa fase, foi quando o Fagner falou que ele estava lá nos Estados Unidos com o Laudir e falou: “A gente tá com um pessoal do Chicago aqui, o guitarrista de Chicago morreu… O cara que todo mundo quer aqui é você, eles ouviram umas coisas nossas que a gente toca, eles querem você de tudo que é jeito aqui, vem fazer uma audition…” Cara, eu não estava com condição nenhuma de ir lá fazer uma audition, eu estava com uma faca encravada no meu coração, não dava para eu fazer nada naquele tempo, não tinha cabeça e terminou que eu não fui. 

FMG: Como foi que você chegou a conclusão que no Brasil para fazer sucesso tem que fazer música de merda?

RR: Não é bem assim… Tem muita música merda realmente, mas tem música que faz sucesso que não é tão merda assim… Agora, claro que, uma música rebuscada não são as músicas de sucesso, porque a música que faz sucesso é uma música popular, que você tem que fazer para classes que são menos favorecidas educacionalmente, culturalmente, que tem uma linguagem direta, simples, de preferência romântica. É por isso que novela faz tanto sucesso também, que as pessoas possam se identificar com o seu momento. Música representa um momento, um pensamento que uma pessoa está e existe música para todos os momentos. A música merda também tem o seu momento, já pensou a gente botar uma música linda, um clássico na hora de uma festa que todo mundo quer ouvir funk, é a que cai melhor? Todo mundo quer balançar a bunda, a gente tem que ver isso, tudo tem momento. Agora, tem gente que faz música só para si, aquele compositor que faz uma música pessoal com assinatura, com toda a coisa, sem ele pensar se vai vender, se vai deixar de vender… Bacana, existe esse cara e que vários deles se dão bem, são respeitados, e até chegam a ser populares, tem obras deles que alcançam grande público mainstream. Então, nós temos também um público que é preciso você fazer uma coisa fácil, eu já fiz muito isso, quando fiz Yahoo eu já tinha noção disso porque eu sabia o que é que as pessoas gostavam de ouvir. Eu toquei com muitos artistas e artistas populares também, aí você vê o porquê aqueles artistas arrancam tantos suspiros e aplausos, e outros que são até mais virtuosos não conseguem, entendeu? Ou artistas que impressionam pra caramba, mas não emocionam. O popular tem que emocionar, pode até um momento lá achar que um virtuose, o cara tocando no violino a quinta sinfonia, o Moto Perpetuo de Paganini e o cara ficar “ohhh”, mas depois da segunda música ele já não vai aguentar ver o cara “som de virtuose”, aí o cara vai ter que quebrar violino, jogar para cima, tocar com a língua para poder… Cada vez vai ficando um circo… Então essa discussão é bem vasta que a gente não pode chegar e condenar ninguém também, a merda tem que existir sempre, senão a gente não cagava.

FMG: Você se tornou um nome conhecido mesmo sendo um músico de estúdio na época, a que você deve isso?

RR: Para gravar, uma coisa que era característica era o seguinte: sempre alguém tinha gravado antes, outro guitarrista tinha gravado e as pessoas me chamavam exatamente para refazer um solo que não tinha dado certo. Então, no início foi bacana, eu: “ah legal” mas depois eu comecei a cobrar o dobro e perguntava: “alguém já gravou?” “ah, não foi só para a gente ter uma noção como ficava” eu falava “ah, então vocês não me chamaram antes, então vão pagar o dobro agora. Vão pagar pelo cara que não acertou e por mim que vou acertar”. Aí você me pergunta: a que eu devo isso? É porque eu também sempre via que os guitarristas que gravaram a canção antes de mim, eles não deram atenção à canção, não deram atenção à música, eles tocaram apenas guitarra. A música 1 ele fez o mesmo solo, a 2 também, todas ele tratou a música como se fosse assim: “ah eu vou meter o dedo, aqui é uma escala x, ali é uma escala y e essa música é menor eu vou fazer uma escala menor e vou mandar ver aqui…”, fecha o olho e vamos nessa. A minha diferença aqui é que eu sempre ouço primeiro a música, a letra… eu quero saber a letra. Eu não posso solar sem… “ah cara, mas acho que esse cara tá viajando” não, para eu poder chegar e me inspirar, tipo assim “pô, aqui…” e eu tenho que analisar a melodia que o cantor está fazendo para que o trabalho de guitarra seja harmonioso com essa melodia. Não é simplesmente, quem entende de música sabe: “ah vou botar uma pentatônica aqui que a harmonia é em lá menor…” mas o cantor pode estar dando uma outra coisa que a tua pentatônica não vai dar certo, entendeu? A escala que ele está usando não tá dando muito certo com o que você tá fazendo então, ou num tom maior, eu já vi guitarrista chegar e mandar uma pentatônica ali menor, pô cara, de ficar um troço quase perto do jazz, então o que eu sempre fiz foi isso. Eu posso citar aqui um exemplo: “Revelação” é quase o que o Fagner está cantando o tempo inteirinho, eu faço uma pergunta e resposta. Ele está cantando e eu estou respondendo na guitarra o tempo inteiro e eu tenho um timing diferente dos caras, eu sei tocar em todos os timings e eles só sabem tocar no 1-2-3-4, entendeu? Eu sempre toco no 3, às vezes eu estou um compasso atrás deles entendeu, deixo tudo acontecer, eu jogo um pouquinho mais atrás do que eles.

RR1

FMG: A dominação da mídia continua sendo pior que a censura na sua opinião?

RR: Sim, é muito pior, porque a censura só censurava coisas que eram ou pornográficas ou tinham um cunho político agressivo, que eram contra o regime. Então hoje é muito pior porque a mídia ela quer atender, mais do que isso, tem isso que é pior ainda também que é uma censura violenta, hoje é incrível porque as palavras todas ganharam outro sentido, é difícil hoje você compor, pois se você usa uma cor, por exemplo, todas as cores hoje representam outra coisa de como há 20 anos atrás eu via as cores, é muito diferente de como eu vejo agora. Então é difícil e se você usa isso, isso tudo vai limitando a tua liberdade de expressão, coisa que todo mundo reclamou pra caramba, mas a liberdade de expressão hoje ela está algemadíssima por essas coisas, tudo o que você falar será… E não só isso, em estética musical também porque a coisa vai ficando um padrãozinho, até no metal, por exemplo, o metal ficou assim um padrão meio esquisito, a gente perdeu o peso. Banda de metal hoje não tem nem um pouquinho… São as bandas mais leves q eu já ouvi na minha vida. São as bandas mais leves que eu ouvi “ah, é isso q é pesado? Metal pesado? Heavy metal?” Não. As bandas estão muito leves, entendeu? Aqui não tem peso nenhum. Então hoje a padronização é um grande problema e parece que se você não usar esses novos padrões não será aceito, tipo assim: “só vai entrar aqui se tiver com camisa preta” no meu tempo metal era colorido, completamente.

FMG: Isso o fez desanimar de ser um artista e o fez virar produtor? Como foi esta mudança?

RR: Não vou nem dizer de ser artista porque artista você nasce, né? Não se faz artista, então exatamente é isso que ele faz a diferença; por que ele não faz essa diferenciação do que é produto do que é o artista mesmo então… Todos nós humanos somos circunstanciais, a gente vai viver de acordo com as nossas necessidades, então são as circunstâncias e quando toda vez que eu fiz uma coisa pensando em me dar bem realmente, financeiramente, eu fiz, eu consegui, eu realizei, ganhei dinheiro. Eu acho o seguinte: se as pessoas acham que aquilo é ruim, é uma merda, “ah, o Yahoo é uma merda…” olha, são opiniões porque tem muitas coisas também que você pode me citar, algumas coisas, artistas que você acha genial ou coisas assim icônicas, tipo “Love of my life” do Queen…, uma letra icônica, eu acho aquela letra uma coisinha… Se a pessoa que venha falar mal do Yahoo venha falar daquela “as letras do Yahoo, não sei o quê”, “venha cá, você sabe o que está dizendo naquela música?” Não tem nada de genialidade ali, nem o que é que faz aquilo ser bom pra caramba? Não? Espera aí…então a gente vai discutir bastante. Eu sei que vão me jogar pedras quando eu falar isso, mas já me jogam quando me fazem perguntas assim, entendeu? Bem, aí eu tenho uma visão diferente dessa coisa, como eu falei anteriormente, a gente tem que fazer às vezes uma linguagem que é isso que justifica “Love of my life”, por exemplo, “amor da minha vida, não de deixe…” olha só, é “meu amor me deixou, estou sozinho” isso é brega, romântico ao excesso, piegas, mas é lindo. Eu estou falando, a gente vai botar isso como um contrapeso, entendeu? E aí eu quero ver o que é que se vai ser dito, o que é que vai me contradizer, do que é e do que não é, e como eu falei cada música é para atender uma camada, cada música é para atender um momento, uma tribo, não adianta querer vender Heavy Metal na Jamaica, não tem show de Heavy Metal lá, entendeu? Nem show de Reggae dentro de festival na Europa de Heavy Metal, pô…então cada coisa, não quer dizer que um é ruim o outro não é ruim, é equilibrado gente, pra atender essas circunstâncias de mercado e artísticas.

FMG: Mas você já havia tocado rock em algum momento da sua vida? Em alguma banda de baile?

RR:  Bem, em Recife eu comecei tocando em várias bandas: Os Moderados, Os Bambinos… E depois eu vim para o Rio e toquei com todo o pessoal lá do Nordeste como eu já te citei: o Fagner, Amelinha, a Elba, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Luiz Melodia, Elymar Santos, poxa cara…eu tenho que saber com quem eu não toquei. E fiz parte também do Radio Táxi, se ninguém sabe depois que o Taffo morreu eu assumi lá, inclusive produzi um disco deles, o último disco ainda quando entraram os irmãos Gasparinis, o Horóscopo do Amor Perfeito, um disco pela Continental foi um LP, quem produziu fui eu e muitas músicas são parceria comigo, eu toco guitarra no disco inteiro.

FMG: Você já fez apresentações e gravou um disco tocando músicas clássicas. Como foi que surgiram estas apresentações, o disco e qual sua história com este estilo?

RR: Bem, estamos falando sobre Rapsódia Rock que é meu disco clássico que foi gravado numa sobra de estúdio da banda Yahoo. Eu estava gravando o disco “Oração da Vitória” com o Yahoo, e a gente acabou cedo as gravações, então eu falei assim: poxa, a gente ainda tem vários dias de estúdio disponíveis para nós, vamos gravar um disco meu, e começamos a tirar um som ali, tudo foi feito ali na hora. Gravei 5 músicas e depois mostrei ao diretor e aí ele falou “Pô! Mas por que você não gravou um disco inteiro?” Eu falei “não, eu só estou te mostrando”, aí ele disse: “entra lá, eu tenho uns horários vagos, você vai e faz”, então eu disse: “mas eu quero botar orquestra agora, quero fazer uma coisa meio clássica, meio sacro” e todo mundo ficou falando: “ah, você fez uma coisa aí entre irmãos. Não! Irmãos não tocam George Martin, não toca coisinhas lentas como eu toquei em concerto para uma voz, entendeu? Noturno, de Chopin, não toca essas coisas, ele toca uma coisa a trezentos quilômetros, eu não tenho nada a trezentos quilômetros, a letra tudo lentinha e ali era outra coisa eu estava fazendo, eu tenho 8 discos a maioria são instrumentais e eu já, por exemplo, no meu primeiro disco Jardim de Infância tinha muita coisa já meio clássico. Clássico, sacro, nordestino, entendeu? Porque tem muita coisa que se for ver, no disco Rapsodia Rock mesmo, tem uma coisa meio caribenha, nordestina, porque o Recife também tem muita dessa coisa percursiva e aí o disco tem esse estilo, a gente fez vários concertos e que culminou com o concerto na Quinta da Boa Vista com a Orquestra Sinfônica Brasileira regida pelo maestro George Martin e eu tinha gravado a música Pepperland, que é de autoria dele, que foi incluída do disco dos Beatles Sgt. Pepper’s [Yellow Submarine] e ele tinha me dado autorização para gravar e eu convidei ele pra fazer esse show aqui e ele topou e a gente realizou. Eu realizei esse sonho de fazer alguma coisa com o George Martin e fiz também com o Jacques Morelenbaum que é o grande maestro, que num tempo também ele já trabalhava como maestro do Tom Jobim e ele montou uma orquestra pra mim, a gente fez um show no teatro do Hotel Nacional que foi até filmado, tem aí na Internet, várias cenas, isso em 95… e depois eu parti diretamente para produção porque não comportava esses shows todos que a gente fez. Foi investida muita grana, todo o dinheiro que eu ganhei eu gastei, eu ganhava na música comercial, agora, voltando a falar aquilo que você me perguntou antes de “ah, mas música merda” a música merda que me deu dinheiro pra fazer essa música aí que é rebuscada, precisa de uma grande produção e se você pensar em lucro você não tem, porque eu e o produtor que fez esse concerto por exemplo no Hotel Nacional, a gente mesmo bancou, só a orquestra era 75 mil dólares, que na época tudo era dolarizado, aí eu me lembro desse valor e quando a gente estava fazendo as contas meu empresário falou: “pô, se a gente lotar os 2 dias não sobra nada pra gente”, eu falei, “pois é, não vai sobrar nada, eu vou te pagar por fora. Eu vou tomar esse prejuízo mas eu quero fazer.” Esse é que é o problema também, você não pode chegar e botar 1 milhão de dólares como hoje, isso eu acho um absurdo, um show 800 reais, pra vc ir assistir uma atração só porque é cara a coisa, então eu falei, sabe de uma coisa? Eu já cheguei ao topo da montanha com o George Martin, o concerto que eu fiz com ele foi pra mim foi o topo da montanha. Eu, pra mim me atendia, tipo assim, então pode até ter mais coisas maiores que essa depois, mas por enquanto está legal. Eu também, é o seguinte: eu quero uma coisa mais tranquila pra minha vida, eu quero, eu gosto muito de produzir e eu comecei a produzir.

Por: André Luiz Bona, Iara Lugão e Priscila Velasco

Deixe um comentário

Acima ↑