Um bate papo pra lá de sincero e divertido com nosso guitar hero Robertinho de Recife. Parte 1

Fanatic Media Group: Qual a primeira a música que vem à sua mente e qual a sua história com ela?

Robertinho de Recife: A música que me vem à cabeça nesse momento é a Still Raining Still Dreaming do Jimi Hendix que está no disco Electric Ladyland. A primeira vez que ouvi essa música realmente eu chapei, porque eu já tocava guitarra e ouvindo aqueles sons, aquele Wah-wah que o Hendrix faz a guitarra falar… E aquilo foi um grande marco para mim, da minha carreira de guitarrista, porque a partir dali eu descobri que a guitarra era um outro ser.

FMG: Como surgiu seu interesse na guitarra e quando foi que decidiu que queria ser músico?

RR: Bem, eu fui criado numa família bastante musical. Minha mãe cantava, meu tio tocava acordeão – ele tocava piano também – na minha casa tinha piano, sanfonas e tinha até violão, mas eu nunca tinha me interessado por esses instrumentos. Aquilo era muito distante de mim para eu pensar em ser músico através daqueles instrumentos. E daí teve um acidente comigo quando eu tinha 10 anos de idade. E aos 11 anos, mais ou menos, eu vi os Beatles tocando na televisão e o que me emocionou muito foi o a guitarra, o som da guitarra me deixou louco… Aí que eu falei assim: “Eu quero tocar esse instrumento”, e foi assim eu comecei a pedir a uns amigos pra me ensinar, só que não tinha amigos guitarristas. Eles tocavam violão e aí é outra história.

FMG: Qual foi seu primeiro trabalho profissional e como foi que surgiu?

RR: Bem, o meu pai ele se entusiasmou me vendo tocar e me ajudou a montar os instrumentos, vários instrumentos foi ele quem fez. Ele fez uma bateria, porque naquela época era muito difícil, e não tinha loja de música vendendo instrumentos. Eu estou falando em 1964, e neste tempo eu morava em Recife. A loja que tinha de música era para vender instrumentos de banda marcial, então eram aquelas cornetas, a bateria que tinha era aqueles surdos, aqueles caixas de guerra, pratos de mão… Inclusive a nossa bateria, a gente usou algumas coisas dessas. Os pratos do contratempo eram os pratos de mão de orquestra de banda de música. E a primeira vez que toquei foi quando meu pai chegou e falou que tinha um amigo dele que tinha uma filha que estava fazendo 15 anos e que morava na rua do lado de casa. Ele falou “vamos tocar lá na festa de 15 anos do meu amigo, sua banda vai tocar lá”, porque eu tinha montado uma bandinha com os amigos. E a primeira vez foi nessa festa de quinze anos que a gente tocou e foi o maior barato.

FMG: Como foi a história de você ter tocado em um navio com apenas 14 anos e depois ter ficado sozinho em São Paulo? Alguém te alojou?

RR: Pois é, eu tocava numa televisão em Recife. A gente fazia parte de uma banda que acompanhava os artistas que vinham do Sul pra Recife, e esse programa tinha essa banda pra atender esses artistas e os artistas locais também. Tinha vários calouros que se apresentavam e a gente era a banda que tocava. E um dia chegou um navio em Recife que o guitarrista da banda do navio tinha perdido o embarque em São Paulo, não tinha zarpado com o navio. Daí alguém em Recife falou pra eles o meu nome e eles foram me chamar na minha casa. Chegaram lá e era uma criança, eu tinha 14 anos… Aí ele falou “não, mas a gente quer o guitarrista” e aí meu pai “mas é esse garoto aí mesmo que é o guitarrista, que toca na televisão”. “Mas me falaram que era um guitarrista muito bom” aí ele falou “não, mas o menino aí… toca aí Robertinho, toca aí pra eles ouvirem…” Aí o cara me ouviu tocando e falou: “Bom, vou te levar para o navio, vai ser uma atração à parte. Vai ser uma criança tocando…” Então tinha essa coisa, comecei muito jovem. Eu era meio miquinho que servia para as pessoas ficarem olhando: “Oh! O quanto ele é pequenininho e sabe tocar!”

E daí era para o navio voltar para Recife depois que a gente fez uma turnê. Fomos até Manaus e depois o navio tinha que parar em Recife, mas o navio passou direto para São Paulo e eu fui com eles. Chegando lá eu fui para Santos, e aí sim de lá eu fui pra São Paulo. Fiquei na casa do meu tio, que era músico também, e tocava na mesma boate que o Lani Gordini, Airto Moreira, o Zé Neto, o Hermeto Pascoal, todo mundo… Os grandes músicos daquela época, todos tocavam nessa boate chamada Stardust. Eu tive o prazer de, com 14 anos, assistir a todos esses grandes músicos, inclusive meu tio também era um grande músico, ele já faleceu. Ele é o Zé Carlos, e foi pianista do Milton Banana Trio. Ele é o irmão da minha mãe e eu fiquei lá com ele. Foi muito bom ficar vivendo nesse ambiente musical que ele vivia também.

FMG: Como foi a descoberta do violão dinâmico e qual a principal diferença dele para um violão comum?

RR: Bem, a história do violão dinâmico é que meu pai, quando eu mostrei os Beatles na TV e falei assim “pai, eu quero esse instrumento aí”, meu pai falou: “É uma manola.” A manola é como os caras lá, alguns cantadores, chamam esse violão dinâmico. E a diferença dele para um violão comum é que os caras eletrificavam, lá no Nordeste, esse violão com uma agulha de toca disco. Eles arrancavam aquela parte do toca disco e colavam no instrumento, e isso o amplificava. E a diferença de um violão comum é que ela tem umas rodas, e as cordas são montadas no cavalete em cima de um disco de alumínio, então ela dá aquele som meio distorcido de cantador do Nordeste. Ele é meio fanhosinho porque ele é todo construído pra ficar meio fanhoso, quase uma citar indiana.

FMG: Como você foi parar nos EUA com apenas 17 anos?

RR: Quando eu tinha 15 anos, mais ou menos, eu fazia parte de um grupo em Recife, que era um grupo muito performático. A gente misturava teatro com música, artes plásticas, dança… Chamava “Laboratórios são os estranhos” e a gente estava fazendo um show no Teatro Santa Isabel, que é um teatro clássico. Fomos a primeira banda de rock porque o show era bem rock, um rock pernambucano, claro, com todas as influências de maracatu, aquela coisa que a gente lá no Nordeste faz… Quer dizer, eu me distanciei um pouco, mas eu acho que eu tenho isso ainda no meu tocar. E esse grupo de americanos que estavam assistindo me convidou, eles tinham uma banda também. Eles tinha vindo para o Brasil para fazer um intercâmbio, visitar a família – que a família deles era de diplomatas americanos que moravam aqui – e eles levaram essas fitas comigo tocando com eles. O nome da banda era Country Brushing. Levaram para os Estados Unidos, mostraram lá e todo mundo adorou, e eles me chamaram pra fazer uma “audition” lá em Mississipi. Só que não deu certo porque a banda que me chamou era uma banda de Country Music. Chegando lá, eu não casava com Country Music… Eu mesmo me demiti, por que nesse tempo eu já era Rock and Roll. Eu já gostava de uma distorção, um Wah-wah… Eu queria tocar Hendrix, eu não queria tocar Country e aí eu me demiti. Mas foi uma grande oportunidade de ter vivido lá, no sul dos Estados Unidos, em Memphis principalmente, porque eu participei de uma banda chamada Watch Pocket, que era de Memphis. E ali no Tennessee, Nashville, Mississipi principalmente… New Orleans todo, Louisiana… aquele Sul ali dos Estados Unidos que eu acho fantástico, eu adoro.

FMG: É verdade que você foi preso assim que desembarcou?

RR: Pois é, eu estava empolgadão nesse tempo. Meu visual era bastante hippie, eu tinha os cabelos já longos e bastante coloridos e floridos, o Power Flower. Eu estava vivendo aquele momento, lá em 72, em pleno movimento de liberdade… Esse tempo desses artistas aí: Hendrix a Janis Joplin, e todas essas bandas que fizeram parte desse tempo, dessa revolução… Eles eram meu ídolos, aquela letra que “todos os meus ídolos morreram de overdose” é verdade, porque eles não sabiam o resultado que ia ter no final, aquela viagem. Pois bem, não vamos falar sobre isso, mas eu entrando lá em Miami, eu naquele tempo estava levando um pedal que era feito pelo irmão dos caras dos Mutantes, e esse pedal era um pedal de Wah-wah vermelho chamado Regos. E era feito pelo Claudio Dias Baptista, irmão do Sergio Dias Baptista, o guitarrista dos Mutantes, quer dizer, o criador, grande guitarrista brasileiro… E eles cismaram com o pedal, eu fiquei detido pelo FBI no aeroporto. Eu cheguei lá eram seis horas da manhã, seis e meia… Fiquei até oito horas da noite detido. Lá eles fazendo interrogatório, perguntaram se eu não estava levando drogas, fazendo exames comigo… Foi um troço pra uma criança de 17 anos, que era minha idade, foi uma agressão, foi uma loucura… Eu estava indo com um sonho, chega lá e me deparei com um pesadelo. Eu preso pelo FBI que eu só tinha visto isso em filmes. E eu e meu amigo – ele americano e eu brasileiro – então é claro que ele foi bem mais bem tratado do que eu, mas mesmo assim ele vai contar absurdos a respeito disso. Mas por fim fomos libertados, não acharam nada e eu pude entrar nos Estados Unidos em paz. Depois foi tudo legal, fora o acidente que teve comigo em frente.

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FMG: Como acabou sendo sua estadia lá nos EUA?

RR: Bem, foram dois anos que eu passei, porque foi o seguinte: Tem a outra pergunta que você está fazendo aqui sobre o acidente. Porque foi o acidente que me fez ter uma renovação de visto e eu estava me tratando lá, porque foi grave o acidente. Eu fiquei com paralisia facial e fiquei muito tempo sob observação e os cuidados dos médicos que estavam me acompanhando, mesmo porque, no Brasil, na época não teríamos aqui hospitais tão preparados quanto o hospital que eu fiquei, que era o Hospital Batista de Jackson no Mississipi, e foi lá que me trataram. Nessa época, eu estava tocando com o  Watch Pocket, que era uma banda nacionalmente conhecida. A música Mammy Blue tocava em tudo que é lugar, então lá no Sul dos Estados Unidos eram eles. E essa música teve várias gravações também aqui no Brasil, inclusive teve um brasileiro desses aí, tipo Maurício Albert, que também gravou e botou um nome lá. Até o Agnaldo Timóteo fez uma versão dessa música  “Mamãe Azul”. Aí enfim, eu fiquei tocando nessa banda, saiu em todos os jornais “o guitarrista brasileiro (o índio nativo brasileiro) teve um acidente, está muito mal no hospital…” Então o que eu recebia de fã – naquele tempo não tinha Instagram – as pessoas iam lá mesmo, não mandavam recadinho nem nada… Iam lá e foi uma coisa absurda porque sabendo que eu era estrangeiro eles me deram total apoio financeiro. Havia doações muito grandes pra mim lá no hospital e isso me ajudou muito a eu ser conhecido, porque eu fiquei como aquele cara do acidente “ah, aquele cara que teve o acidente, que é do Brasil…” Ainda hoje lá em Mississipi, estou falando agora ainda hoje mesmo, tem um amigo meu visitando lá, e ele está passando pelos lugares que eu contava essas histórias pra ele, e ele falou: “As pessoas sabem mesmo de você, todo mundo fala em você aqui.” Foram muitos tempos então, eu passei dois anos por esse motivo que eu falei, ganhei esse sobrevisto, a permanência maior, e daí eu toquei horrores fazendo uma turnê costa a costa com essa banda Watch Pocket. E daí eu tive que voltar para o Brasil porque, outra pergunta que você falou, “por que você voltou?” Meu visto tinha expirado e a gravadora CBS Records, que era o estúdio lá que a gente gravava, queria que eu tirasse um Green Card. Mas estava num tempo que eu ainda não tinha feito minha inscrição no exército, porque eu saí daqui com 17 anos e eu tinha que me apresentar aqui. Eu não quis me apresentar nos Estados Unidos porque era no tempo do Vietnam, “ah, bacana tem um brasileiro aqui pra lutar pela gente, manda ele lá pro Vietnam”, e eu voltei para o Brasil. Foi quando eu cheguei aqui, já engravidei uma menina e tive que casar, tive uma filha, aí é uma longa história… E foi isso, depois eu fiquei voltando sempre lá, mas teve tempo que eu voltei e passei seis meses, depois vou lá, passo dois meses, e passo três meses… Sempre tenho voltado, feito shows e produzido muita coisa lá também.

Por: André Luiz Bona, Iara Lugão e Priscila Velasco

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